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Ética não é negociável

A guerra imposta à Ucrânia pelo estado russo, colocou em foco, questões pouco visitadas pelo cidadão comum e governos. Ninguém esperava ver a coragem demonstrada pelos ucranianos, na defesa do seu país. Não se sabe se inspirados pelo seu presidente, ou este pelo seu povo, mas o fato é que um país praticamente desarmado, se comparado ao arsenal do inimigo, mas dotado de brios, permanência e convicção, sensibilizou em poucos dias, os dirigentes das maiores potências do planeta, como poucas vezes visto na história.

Esse povo fez compreender ao mundo, que não se trata de uma questão de territórios e sim do direito a soberania por um país independente. Do direito a liberdade e a vida. Do direito enfim, à democracia.

A vivência desses valores em situação de tamanha pressão, primeiro deve ter soado como um tapa na cara de governantes, que de início, acomodados em suas cadeiras, assistiam com muita distância a crise em eclosão. E foi a continuidade dessa coragem e luta pelos valores democráticos que está unindo a maior parte do mundo. Dirigentes mundiais que precisam decidir entre ações que não beirem a omissão, mas que não cheguem a respostas do naipe do ofensor.

Os maiores países europeus, tem laços comerciais com a Rússia, mas nem por isso, colocaram os medos dos impactos econômicos das sanções impostas, à frente do que pede a ética nessa situação. Todos sabem que serão afetados e talvez muito afetados. Mas tem hora que é preciso fazer o que é certo, fazer o que pede a ética. Sem me prolongar nas definições, entendamos a ética como sendo a preservação do bem coletivo que não pode ser deixada de lado por causa do bem ou do interesse individual. O direito de invadir, agredir e tomar para si, não está à frente do direito a soberania e liberdade de uma nação, de todo um povo. Simples assim. Não importa o que isso custe. Isso não é negociável. Não pode ser.

Em um exemplo contundente de fraqueza moral e como fazem os covardes, nosso principal governante espera desconto na compra do potássio russo, achando que vai agradar parte dos alucinados que ainda o apoiam. A mensagem então é essa: “se a ética comprometer minhas expectativas de resultado, melhor não a aplicar.”

Tenho assistido comportamentos semelhantes dentro das organizações que trabalho. Em 2017, ajudei uma empresa a construir sua visão, valores e propósito. Em seguida, foi necessário criar procedimentos que orientassem os comportamentos adequados à toda comunidade interna e desta com clientes e fornecedores. Depois de reuniões cansativas com aqueles que deveriam apoiar a implementação, mas que só fizeram mostrar resistência, um gestor grita para todos: “se implantarmos isso agora, devemos nos preparar para uma forte redução do faturamento nos próximos anos”.

Essa fala soou como uma bomba na sala e o silêncio reinou pelos minutos seguintes. Imagino que cada um deve ter feito as contas de quanto menos receberiam no bônus anual e demais benefícios que já se acostumaram ter. Para poupá-los dos detalhes sórdidos que fui obrigado a ouvir, resumo dizendo que ficou acordado que cada um teria direito a cometer um deslize, sendo orientado então frente ao ocorrido e que punição mesmo, só depois disso. Ou seja, pela quantidade de funcionários daquela empresa, os procedimentos levarão uns 30 anos para virarem prática.

O papel impresso carrega palavras bonitas e que figuram bem nas paredes aos olhos dos auditores em dia de visita. Mas na prática, a ética foi pro ralo. O resultado é mais importante que comportamentos alinhados com valores.

Com tantos exemplos como esse, que nos acostumamos a ver diariamente, criamos uma “casca” para nos proteger. Só que essa “casca” tem relativizado os fatos e concorrido para torná-los “normais” quando nunca serão.

Aceitar que a corrupção faz parte. Que a puxada de tapete faz parte. Que se resolve problemas com jeitinhos. Que brasileiro é malandro mesmo. Que a lei é só para os pobres e mais outros tantos fatos violentos à nossa consciência, tem sido uma constância ao longo de décadas.

Mas os poucos que conseguem ter uma experiência de vida fora desse nosso caldeirão cultural, como morar por algum tempo em outro país, se surpreendem. Se surpreendem por exemplo, com o americano que de fato respeita as leis, ou com o sueco que tem absoluta consciência do espaço do outro ou do japonês que sempre privilegia o coletivo.

Quando se tem essa experiência, se descobre e constata que a ética é algo real e prático. Que político corrupto vai preso sim, às vezes até é morto. Que as coisas podem funcionar sem jeitinhos, simplesmente fazendo o que é planejado e previsto. Que as pessoas podem confiar nos seus sistemas básicos, pois esses sistemas confiam nelas.

A questão é: quando, nós aqui começaremos a viver isso?

Recentemente, trabalhando com um grupo de pessoas que de dividiam entre Europa e América do Sul, percebi o desconforto dos europeus, com algumas práticas de colegas brasileiros ao lidar com determinadas situações. Coisas básicas como responder perguntas, honrar compromissos assumidos em grupo, executar papéis previstos. Tudo isso dentro de uma empresa multinacional. Me envergonhei pelo comportamento dos meus compatriotas.

Como pensar em discutir ética com pessoas que sequer entregam compromissos assumidos?

Pode-se não gostar de ouvir isso, mas vivemos sim em uma crise. Pode-se não querer ouvir isso, mas vivemos em uma crise sim e das boas. Uma enorme crise de ética e valores.

Desculpe se parece um discurso moralista, piegas ou qual nome queira dar. A questão é que precisamos rever nosso comportamento enquanto cidadãos. Cada um de nós tem sim algo importante a rever. Tem uma contribuição a dar para que essa imagem (que é real) mude.

É crucial entender que a minha ação individual é a construtora de tudo que assistimos no coletivo.

Há corruptos no governo, nos negócios, nos grupos, porque na minha instância eu ajo sendo também corrupto, ou para me omitir frente ao ato corrupto. Enfim, eu tenho sim uma parcela de contribuição nisso tudo e me acostumar e aceitar que é assim mesmo, não pode mais ser uma opção.

Se você tiver que ser leal a alguma coisa, seja leal a um propósito positivo. Seja leal aos seus valores mais essenciais.

Não entendo porque as pessoas são leais às pessoas, sendo que o que nos une, é o alinhamento de propósitos e crenças. Sempre pensei e agi assim e esse foi meu orientador para dizer quando era hora de deixar de caminhar junto com esse ou aquele.

Quando teremos coragem de colocar o bem coletivo e deixar meus próprios interesses de lado, abrindo mão para que o bem maior aconteça?

Quantas pessoas nas organizações, ficam sabendo de atos não éticos e se calam? Medo de perder o emprego, de ser tachado de dedo-duro ou sei lá. E lá vai a ética pro ralo de novo.

Quantas praticam esses atos na certeza da total impunidade, uma vez que sempre podem ameaçar com a redução do faturamento?

Dá pra entender porque nosso governante nem ficou vermelho ao assumir esse discurso para o mundo. Porque ele encontra muito respaldo entre os brasileiros. Porque muitos e muitos mesmo, fariam exatamente o que ele fez.

 

Sei que não há repostas fáceis para isso tudo, mas tenho certeza de que existem sim caminhos para melhorar. Esses caminhos passam por assumir nossa fraqueza moral diante de fatos como esse, depois em ter coragem para fazer escolhas alinhadas com nossos valores e sim, aceitar que a vida pode ficar mais difícil depois disso, mas que vai valer a pena.

Portanto peço ajuda aos meus clientes, aos cidadãos, aos leitores. Preciso de exemplos reais que eu possa usar com as pessoas quando estiver ensinando sobre liderança participativa e falando de comunicação e de colaboração.

Preciso urgente de exemplos reais sob pena de eu parecer um lunático idealista, falando de coisas que nunca serão vividas pelas pessoas nos seus dias de organização.

Por favor, não me deixem falando sozinho a muitos corações que eu sinto (ao menos em alguns) que querem acreditar que possa existir de verdade, ética, honra, coragem, acima de interesses pequenos.

Estou ansioso para receber suas contribuições.

 

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